Entrevista com Luísa Ducla Soares


Luísa Ducla Soares nasceu em 1939 e licenciou-se em Filologia Germânica. Foi tradutora, consultora literária, jornalista, colaborou com dezenas de jornais e revista e foi, ainda, diretora de uma revista de divulgação cultural de seu nome "Vida".
Em 1970, lançou o primeiro livro de poemas chamado "Contrato". Desde aí lançou mais de 100 obras. Venceu o Prémio Calouste Gulbenkian em 1984 e o Grande Prémio Calouste Gulbenkian em 1996. Em 2004 foi selecionada como candidata portuguesa ao Prémio Hans Christian Andersen.








A autora aceitou o convite da Biblioteca Municipal de Mondim de Basto e respondeu a algumas perguntas.

Biblioteca Municipal de Mondim de Basto - Fale-nos de si como autora e da sua obra

Luísa Ducla Soares - Comecei a escrever aos 10 anos e desde aí nunca mais abandonei o meu sonho de ser escritora. Como criança e adolescente escrevi muito, publicando algumas coisas em jornais ou revistas mas guardando  nas gavetas quase tudo o que então produzi.  Mas essa prática de longos anos foi-me extremamente útil . Só depois de terminar a Faculdade publiquei o 1º livro, de poesia, intitulado Contrato. Pensava dedicar-me à literatura para adultos mas um dia, por brincadeira, rabisquei um texto para crianças: A história da Papoila. Publiquei-o e , para minha sorte ou azar, pretenderam atribuir-lhe o Prémio Maria Amália Vaz de Carvalho, que eu recusei por razões políticas, visto que era atribuído por um organismo do Estado Novo, que tinha censura, de que eu própria era vítima nas publicações que fazia em jornais.
José Saramago, que nessa data (1972-3 ), estava à frente da editora Estúdios Cor encomendou-me 6 livros de literatura infantil para o ano seguinte. Fi-los e comecei a interessar-me tanto pelas crianças, pela sua psicologia, pela forma específica de escrever para elas, que nunca mais deixei de me dirigir a tais leitores.
Hoje tenho 131 livros publicados e quase todos são dedicados aos mais novos.

BMMB - Em 1970 aparece "Contrato", ainda se recorda como tudo aconteceu?

L.D.S - Recordo-me perfeitamente.
Eu tinha na Faculdade de Letras um grupo de amigos que se dedicavam à poesia: Luísa Neto Jorge, Fiama Hasse Pais Brandão, Gastão Cruz  e dava-me muito com todos os jovens que publicaram a Poesia 61. Estive para entrar também nessa aventura mas senti que estava a afastar-me das linhas mestras que os orientavam, que me interessava escrever poesia menos experimental e mais ligada à vida real, à comunicação direta com os outros. O Contrato é fruto dessa minha posição.

BMMB - Dedica-se aos estudos e escrita de literatura infanto-juvenil, é uma área que a fascina?

L.D.S - Realmente essa área fascina-me e há longos anos que me interesso por tal estudo. Entrei para a Biblioteca Nacional porque me foi proposto realizar lá uma bibliografia da literatura infantil portuguesa a partir de 1927, pois até essa data já estava feita por Henrique Marques Júnior. Trabalhei, em equipa, alguns anos nesse projeto , que veio a ser abandonado quando um novo diretor nos disse que “ a literatura infantil não interessava nem ao menino Jesus”.
Foi para mim um desgosto abandonar o projeto mas, para que todo o trabalho executado não se perdesse, pus à disposição da grande investigadora que foi Natércia Rocha os elementos que tinha e muitos eram.
Tenho publicado artigos e feito conferências sobre o assunto.

BMMB - O que sentiu quando venceu o "Prémio Calouste Gulbenkian para o melhor livro infantil do biénio 1984-1985" e o "Grande Prémio Calouste Gulbenkian" pelo conjunto da sua obra em 1996?

L.D.S - Ao contrário do que me aconteceu ao ser-me atribuído o Prémio Maria Amália Vaz de Carvalho, senti-me muito feliz e honrada por receber esses prémios, atribuídos por uma fundação que tanto prezo e que tem tido uma importância fundamental no apoio à cultura em Portugal.
Um prémio é , naturalmente, um estímulo mas o meu maior estímulo é ouvir da boca de uma criança, de um jovem palavras de apreço.

BMMB - Como foi colaborar com a revista Rua Sésamo?

L.D.S - A revista Rua Sésamo bem como a sua congénere da televisão foram momentos altos dedicados aos mais novos. Colaborei em ambas. Na televisão havia um extremo cuidado com os textos que eram analisados por psicólogos, por professores e experimentados com grupos de crianças. Alguns tinham de ser refeitos para corresponderem exatamente ao pretendido.
A revista dava muito mais liberdade criativa e  fui uma assídua colaboradora. Adorei esse trabalho e lamento que atualmente não exista nenhuma publicação com o mesmo nível.

BMMB - É especial para um autor ver o seu livro traduzido em várias línguas, saber que a sua obra chega a vários países do Mundo?

De facto, é uma agradável sensação mas infelizmente os textos portugueses não têm a mesma facilidade que os ingleses, por exemplo, em serem traduzidos. Somos a 5ª ou 6ª língua mais falada no mundo mas, em termos culturais, o nosso lugar fica bem mais atrás.

BMMB  - Acha que os seus livros podiam ser adaptados para uma série na televisão?

L.D.S - Alguns dos meus livros poderiam ser adaptados à televisão. Mas não tanto a séries, que optam , em geral, por obras com muitas aventuras, mesmo em coleções com vários livros desse género.

BMMB - Por falar em televisão, escreveu para a série juvenil "Alhos e Bugalhos", fale-nos sobre o projeto. 

L.D.S - Escrevi, com muito empenho e entusiasmo. Era uma série sobre a língua portuguesa em que cada episódio tratava de uma situação. Um era, por exemplo, sobre formas de tratamento, outro sobre felicitações, outro sobre relações familiares, etc. Mas tinha um desafio : os personagem eram, fundamentalmente os mesmos e tornava-se necessário criar uma história divertida em que viessem a propósito os temas a focar. Destinava-se a crianças portuguesas e ao ensino do português no estrangeiro.

BMMB - Que planos tem para o futuro? 

L.D.S - Os meus planos são tantos que não disporei de tempo de os realizar, por mais anos que viva. Tenho gavetas, blocos, cadernos cheios de ideias, de trabalhos iniciados que, por uma razão ou outra, não prossegui. Incluem poesia, prosa, teatro, CDs.
Teoricamente, tendo-me aposentado, deveria ter muito tempo livre mas tal não acontece. Vou muito a escolas e bibliotecas, pedem-me constantemente entrevistas, depoimentos para trabalhos escolares e teses universitárias. Faço parte de júris de concursos literários, tenho trabalhado como voluntária na Biblioteca Nacional, desloco-me a estúdios de radio e televisão… 
Enfim, neste momento acho até que tenho uma dívida para com os meus netos que já me têm dito que despendo mais tempo com os outros meninos do que com eles. E têm alguma razão. Os avós são importantes na vida familiar e quero cumprir também essa minha missão.

BMMB - É a favor ou contra o Acordo Ortográfico? 

L.D.S - Trabalhei 30 anos na Biblioteca Nacional, lendo diariamente textos escritos das mais diversas maneiras, desde o século 12, uns sem acordo de qualquer espécie, outros obedecendo a acordos vários que foram feitos ao longo dos tempos.
Assim, um novo acordo ortográfico não me causa estranheza de qualquer espécie.
Mas penso sobre o assunto e custa-me ver que este acordo não tem sentido. Se ele unisse mais os povos de língua portuguesa, seria talvez benéfico. Mas a verdade é que os outros países de língua portuguesa não estão a aplica-lo e nós fazemos a triste figura de imitar os brasileiros quando nem angolanos nem moçambicanos o fazem. Algumas disposições do acordo desvirtuam as palavras , podem levar a sérias confusões. Numa época de gravíssima crise económica, por causa dele se refazem livros e os antigos tornam-se obsoletos.
Nestas condições, acho que não deveria ter sido aprovado unilateralmente em Portugal mas sou obrigada a escrever de acordo com as novas regras pois me dirijo frequentemente a crianças que estão a aprender a ler e a escrever de acordo com ele.

BMMB - Deixe uma mensagem para todos os fãs e aqueles que sonham escrever um livro.

L.D.S - A todos os meus fãs agradeço a paciência que têm para me lerem. São eles que me dão força, ânimo, alegria para escrever. Muitas vezes penso nesses jovens, uns conhecidos, que encontro nas escolas e bibliotecas, outros que se me dirigem por carta, por e-mail, pelo facebook e aproveito-os como personagens dos meus contos, como inspiradores dos meus poemas.
Há, na realidade muitas crianças e adolescentes que acalentam o sonho de virem a escrever um livro e que me têm dado a conhecer belíssimos textos em prosa e poesia. A esses digo que nunca desistam. Mas aconselho-os também a lerem, a lerem muito pois a leitura é a grande escola de quem se dedica às letras.
Recordo-lhes também que um escritor tem de ter os olhos bem abertos para o mundo à sua volta e um coração desperto para os sentimentos.
Na literatura há um lugar para a inspiração mas nada se faz sem alguma “transpiração”. 

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