Entrevista a Manuel Jorge Marmelo

Manuel Jorge Marmelo, jornalista e escritor nascido no Porto, venceu o Prémio Correntes D'Escritas deste ano. Na sequência da vitória, a Biblioteca Municipal entrevistou o autor.

Biblioteca Municipal - Ser escritor era um sonho de infância?
Manuel Jorge Marmelo -  De infância, não. Em minha casa havia muito poucos livros. O sonho só chegou com a adolescência, quando me comecei a formar como leitor, sobretudo graças a livros que me emprestavam ou que eu comecei a comprar com o dinheiro que ganhava num part-time num gabinete de contabilidade onde ganhava dez contos (50 euros) por mês.

B.M. - Como é que se iniciou na escrita?

M.J.M. - Como toda a gente, suponho. Com tentativas imberbes e sem muita graça. Lembro-me de ter começado a tentar dactilografar um policial na máquina de escrever de um tio meu. Depois, aos 18 anos, tornei-me jornalista na redacção inicial do Público e foi aí que ganhei músculo para, alguns anos depois, escrever o meu primeiro livro, "O Homem que Julgou Morrer de Amor". Tinha, entretanto, escrito contos que não cheguei a publicar.

B.M. - Existe muita diferença entre ser jornalista e ser escritor?

M.J.M. - Toda a diferença. A única semelhança é a utilização de uma ferramenta comum, a língua.

B.M. - Fale-nos do prémio de jornalismo que recebeu em 1994.

M.J.M. - Ganhei o Prémio de Jornalismo da Lufthansa com um trabalho para a revista do Público sobre os castelos bávaros da época do rei Ludwig: aqueles palácios incríveis que inspiraram os castelos da Disney. O prémio era uma viagem à Alemanha e aproveitei para revisitar Munique e para conhecer Berlim,

B.M. - Dez anos depois vence o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco. Foi um reconhecimento de todo o esforço?

M.J.M. - Foi um reconhecimento, sim. Mas nunca vi a literatura como um esforço. Sempre foi sobretudo um prazer que praticava fora das horas do expediente, à noite.

B.M. - Qual é a responsabilidade de ser o mais jovem dos biografados no Dicionário de Personalidades Portuenses do Século XX?

M.J.M. - Como sou um pouco inconsciente, não sinto uma responsabilidade tão grande quanto isso. Fiquei, isso sim, feliz e envaidecido, duas coisas que, feliz ou infelizmente, nunca me duram muito tempo. Mas é um orgulho estar nesse dicionário, claro.

B.M. - A Literatura em Portugal está viva?

M.J.M. - Vivíssima. Basta ver o naipe de escritores de 30 ou 40 anos que se estão a impor internacionalmente pela sua grande qualidade: o Gonçalo M. Tavares, o Valter Hugo Mãe, o José Luís Peixoto, o Pedro Rosa Mendes, o Rui Cardoso Martins, a Dulce Maria Cardoso, o Afonso Cruz. Não creio que alguma vez tenha havido outra geração como esta na literatura portuguesa.

B.M. - Com as novas tecnologias, os livros em pdf são cada vez mais populares. Existe a possibilidade do papel acabar?

M.J.M. - Possibilidade há. Mas não acredito muito que isso aconteça nos anos mais próximos. A relação das pessoas com o objecto livro é ainda muito forte.

B.M. - É a favor ou contra o Acordo Ortográfico?

M.J.M. - Sou contra todos os exageros e extremismos. Se me parece possível e até desejável alguma aproximação entre o português que se escreve nos vários países, a verdade é que, tal como está, o acordo não faz sentido nenhum. Há palavras que não se conseguem ler, regras um pouco absurdas, exemplos de óbvia incongruência e precipitação na grafia adoptada. Isto para dizer que continuo a utilizar o português pré-acordo. O outro não em serve.

B.M. - Venceu este ano o Prémio Literário do Festival Correntes d'Escritas. Sente orgulho em "Uma Mentira Mil Vezes Repetida"?

M.J.M. - Muito. É o meu livro mais amadurecido e o facto de ter conquistado este reconhecimento justifica que o trate como a um filho pródigo.

B.M. - Pode deixar uma mensagem para todos aqueles que sonham singrar no mundo literário?

M.J.M. - Que não desistam. E sou neto de analfabetos e filhos de dois portugueses que só puderam estudar até à antiga quarta classe. Se eu consegui ser escritor, qualquer um consegue.

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