Entrevista a Sandra Carvalho - Parte I


Sandra Carvalho, nascida a 29 de Junho de 1972, em Sesimbra, é responsável pela "Saga das Pedras Mágicas", uma das melhores sagas de literatura fantástica em português. A autora tem sido uma aposta forte da editora Presença. Aqui fica a primeira parte da entrevista de Sandra Carvalho.


1 - Fala-nos de ti e da tua obra. 

A Saga das Pedras Mágicas floresceu do interesse que a minha mãe me transmitiu na infância pelas culturas celta e viquingue. Pode dizer-se que cresceu comigo. Escrevo histórias desde os onze anos, com a necessidade premente de pesquisar sobre os assuntos que me apaixonam. Ao longo do tempo, a estrutura da Saga foi-se formando na minha mente e muitos dos contos incompletos, devaneios e sonhos que abrilhantaram a minha adolescência, guardados nos meus caderninhos, acabaram por se encaixar perfeitamente na narrativa. Sempre escrevi por prazer, pelo gosto de dar a provar aos meus amigos os frutos da minha imaginação. Nunca tive a ambição de publicar, não só porque tinha consciência de quão difícil era fazê-lo, mas também porque não desejava submeter o meu trabalho à apreciação de um profissional. Sujeitar um ato de amor à crítica não é algo que se faça de ânimo leve! Contudo, quando o meu marido leu o manuscrito que acabou por dar origem aos livros “A Última Feiticeira” e “O Guerreiro Lobo”, ficou tão entusiasmado que começou a insistir para que eu arriscasse, alegando que não tinha nada a perder. Ainda assim, resisti a dar esse passo. No fim, acabou por ser ele a enviar a história para a Editorial Presença. Hoje agradeço-lhe por me ter ajudado a concretizar o sonho que eu não me atrevia a sonhar.
Embora a narrativa tenha seguido o rumo que originalmente tracei, a minha escrita tem vindo a amadurecer comigo. 
Todo este caminho tem sido uma experiência fantástica! É maravilhoso ouvir os leitores descreverem a forma como mergulham na Saga, desfrutam dos cenários, sentem os cheiros, apreciam os sons, saboreiam as emoções, se comovem com as intrigas... E é impossível descrever a emoção que sinto quando me dizem que a história os ajudou a crescer ou a superar uma fase difícil da vida; que, por causa da Saga, voltaram a acreditar no amor e reaprenderam a sonhar. Acho que não existe maior recompensa para um escritor do que saber que o seu trabalho tornou alguém mais feliz! Essa é a magia desta partilha. E, graças ao carinho dos meus companheiros de aventura, eu também tenho aprendido imenso.

2 - A Literatura Fantástica é o teu género favorito?

Em criança não tinha acesso a muitos livros, logo devorava todos aqueles que me vinham parar às mãos. Isso fez com que aprendesse a apreciar todos os géneros literários. À medida que a minha escrita evoluía, depressa percebi que a Literatura Fantástica me concedia liberdade para explorar os mais diversos assuntos, sem ter de me comprometer com a geografia ou com factos verídicos. Por isso, a Saga das Pedras Mágicas acabou por se transformar numa fusão de todas as minhas paixões: uma linda história de amor, onde a dura vivência de dois povos se cruza com a aventura e a comédia, a política e a religião, o crime e o terror, a realidade histórica e a fantasia. A brincar, mas muito a sério, costumo dizer que os escritores de Fantástico são felizardos, porque não estão acorrentados às regras que os escritores de outros géneros literários têm de cumprir. Nós só temos de enfrentar os limites que a nossa imaginação nos impõe. 

3 - A Literatura Fantástica é "bem-tratada" em Portugal?

Enquanto crescia, sempre tive dificuldade em encontrar Literatura Fantástica, não só nas bibliotecas, mas também nas livrarias. Além disso, todos os livros pertenciam a autores estrangeiros, o que também contribuiu para a minha resistência em enviar o meu trabalho para uma editora. Na minha opinião, a Editorial Presença abriu uma porta que iluminou a imaginação dos portugueses quando começou a publicar a Colecção Via Láctea e apostou num autor jovem e talentoso, o Filipe Faria. Esse foi o primeiro passo; o desafio que levou outras editoras a revelarem o trabalho de outros autores portugueses, dentro desse universo. O facto de “O Senhor dos Anéis”, do mestre Tolkien, ter sido adaptado ao cinema, também contribuiu para que os leitores mais crescidos perdessem a relutância (por vezes, até a vergonha!), de ler livros que apelam à imaginação e ao sonho. Hoje as livrarias estão repletas de Literatura Fantástica, para todas as idades e gostos. Só é pena que não se invista mais em autores portugueses, porque existem grandes talentos à espera de uma oportunidade de revelação.

4 - De onde surgem as ideias para as histórias? Onde te inspiras?

As minhas histórias acabam por ser influenciadas por toda a minha vivência: as histórias que ouvi na infância, as aventuras passadas na praia e na serra, o carinho da família e dos amigos, as conversas que vão surgindo, a pesquisa que vou fazendo, os sonhos, as músicas, os livros, os filmes, a reflexão, o mar, o céu, as cores, os cheiros, os sabores… Não é exagero dizer que tudo me inspira! Amo a vida e escrevo com paixão. As cenas surgem como um filme que se desenrola dentro da mente. 

5 - Qual é a tua opinião sobre o acordo ortográfico?

Estou a habituar-me. A Língua Portuguesa está em permanente evolução e esta é só mais uma fase dessa mudança. Houve um tempo de consulta… Agora que está tudo assinado, uns chamam-lhe “oportunidade”, outros chamam-lhe “afronta”. Eu chamo-lhe, simplesmente, um novo conjunto de regras que, amanhã, podem (ou não!) voltar a ser alteradas… E continuo e escrever que é o que realmente me dá prazer.

6 - Quais são os teus autores favoritos?
Os meus autores favoritos são todos aqueles que me transportam para as suas histórias, me ensinam coisas novas e estimulam a minha imaginação. Posto isto, as preferências recaem sobre as obras de Hans Christian Andersen, Enid Blyton, os irmãos Grimm, Edgar Rice Burroughs, Robert Heinlein, Emilio Salgari, Arthur Conan Doyle, Agatha Christie, Edgar Allan Poe, Anne Rice, Tolkien, Juliet Marillier, entre tantos e tantos outros… Acabo sempre por destacar Marion Zimmer Bladley pela escrita apaixonante, assim como Michael Crichton que, na minha opinião, foi um génio que soube combinar na perfeição a ciência com a fantasia. 

7 - Falando dos autores portugueses, quais são os autores portugueses que recomendas?

Aconselho que os leitores se aventurem a descobri-los a todos, porque existem muitos, em todos os géneros literários, que nada ficam a dever aos autores estrangeiros. Já tive leitores que me disseram: “Demorei algum tempo para me decidir a ler os seus livros, por ser uma autora portuguesa. Hoje admito que foi uma tolice, porque a sua escrita vicia!” E vicia porquê? Porque falamos a mesma língua e partilhamos o mesmo sentir. Numa altura em que se apela a tudo o que é português, há que acabar definitivamente com o preconceito de que só os autores estrangeiros é que sabem contar histórias. Portugal tem excelentes pensadores e criativos que só precisam de uma oportunidade para crescer. Posto isto, e para que não digam que me limitei a dar a resposta “politicamente correta”, a recomendar um autor português faço-o na Literatura Fantástica. E esse autor tem, inevitavelmente, de ser o Filipe Faria, pelo seu enorme talento, pelas portas que abriu a outros escritores e pelo caminho que já desbravou pelo seu próprio pé. Se todos concordamos que escrever um livro não é tarefa fácil, imaginemos quão difícil é criar um mundo, enche-lo de personagens e conduzi-las através de sete livros, em infindáveis aventuras que têm conquistado legiões de fãs, os quais se mantêm fiéis e expectantes ao longo dos anos.




A segunda parte da entrevista a Sandra Carvalho será publicada na próxima semana.











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